Quatro anos após receber o acervo do arquiteto capixaba Paulo Mendes da Rocha, a Casa da Arquitectura de Portugal inaugura duas exposições dedicadas ao brasileiro vencedor do Prêmio Pritzker (2006) e do Leão de Ouro da Bienal de Veneza (2016). A maior delas, com 138 desenhos originais, dezenas de fotografias e outros documentos, dedica-se à obra construída do arquiteto e busca ampliar a noção de geografia que atravessa a produção de Mendes da Rocha.
Com curadoria de Vanessa Grossman e Jean-Louis Cohen, Geografias Construídas: Paulo Mendes da Rocha abrange sete décadas de produção arquitetônica desenvolvida individualmente ou através de parcerias com outros profissionais e escritórios que fizeram parte da trajetória do arquiteto. Quatorze projetos seminais da obra de Paulo Mendes — Casa Butantã, Casa Gerber, Pavilhão do Brasil na Expo 70, Edifício Jaraguá, Escola do jardim Calux, Pinacoteca do Estado, Ginásio do Clube Atlético Paulistano, Estádio Serra Dourada, MuBE, Remodelação da Praça do Patriarca, Cais das Artes em Vitória, Museu Nacional dos Coches, Sesc 24 de Maio, e Cidade Porto Fluvial do Rio Tietê — são apresentados em detalhes através de desenhos, croquis, maquetes, pormenores construtivos e vídeos produzidos para a mostra. Além destes, 44 desenhos originais de Flávio Motta produzidos para o Pavilhão do Brasil em Osaka — e censurados pela ditadura militar — ocupam a parede central da galeria. O vasto material recebeu projeto expositivo de Eduardo Souto de Moura e Nuno Graça Moura.
Em todas essas obras, uma ideia de geografia muito específica está presente e é fundamental para o desenho. “Queríamos expandir a compreensão de sua obra para além da especificidade do concreto ou aço, ou do mote reducionista do brutalismo, mostrando como a arquitetura de Paulo Mendes da Rocha tem uma preocupação com a América e a relação entre cultura e natureza desde sua concepção”, comenta Vanessa Grossman. “E ele dizia sempre que a primeira coisa que informa a arquitetura é a geografia”, conclui a curadora.
Tomada num sentido mais amplo na exposição, geografia engloba a escala territorial, marcante em trabalhos como a Cidade Porto Fluvial do Rio Tietê, mas também a urbana e, ainda, a individual. “Tomamos a geografia como uma disciplina mas também como metáfora. Suas arquiteturas frequentemente mostram uma relação dialética entre a cobertura — aquilo que é construído — e o solo. É uma relação mútua. Mesclamos diferentes tipologias numa tentativa de compreender como Paulo passa de uma escala fechada e doméstica para projetos de grande vulto, quase continentais”, explica Jean-Louis Cohen.
Embora tenha sido produzida a partir do imenso acervo doado à instituição, a mostra pretende ir além de uma revisão historiográfica, atualizando Paulo Mendes da Rocha no contexto corrente da disciplina. “Paulo era uma mente criativa individual, mas ao mesmo tempo criou um engajamento que não era político, mas ético com outros profissionais que transparece em todos os seus projetos”, comenta Cohen. “Conseguiu articular discurso, prática e invenção de modo muito original e em seus trabalhos há sempre uma compreensão muito sensível das cidades e paisagens que diz muito sobre ser um arquiteto no mundo contemporâneo” conclui.
Grossman, que ingressou na FAUUSP um ano após o arquiteto se aposentar como docente, diz que “Paulo tem uma visão que questiona o lugar do homem no planeta e tenta pensar além das fronteiras de uma nação. Há em sua obra uma preocupação ética e filosófica sobre a presença do ser humano no planeta: A que viemos? Por que fazemos o que fazemos? Essa questão da cultura e natureza que atravessa toda a sua obra é absolutamente contemporânea.”
Do arquiteto à pessoa
A segunda exposição, que ocupa a galeria menor da instituição, se preocupa em apresentar o lado humano de Paulo Mendes da Rocha. Os curadores Marta Moreira e Rui Furtado tiveram, eles mesmos, longa convivência com o arquiteto, aspecto subjetivo que se faz perceber na mostra composta por dez entrevistas em vídeo — que a espectadora pode assistir sentada em uma poltrona Paulistano — e 160 imagens exibidas em tablets, dispostas segundo projeto expositivo de Ricardo Bak Gordon.
Em Para Além do Desenho — Conversando com Paulo Mendes da Rocha os curadores buscaram "proporcionar ao visitante uma conversa com o arquiteto, para que, de uma forma mais íntima, sem filtros ou interpretações, o possa ouvir falar sobre os mais variados temas, expondo o que pensava, o que o movia e por que lutava” comentam os curadores. Há, no discurso do arquiteto, um flagrante inconformismo com o rumo que tomou o mundo e uma “crença na consciência coletiva da necessidade de evitar o desastre.”
Programa paralelo
Além das duas exposições, a celebração da vida e obra do arquiteto inclui ainda o lançamento de um catálogo com textos críticos de autores de cinco nacionalidades e um programa paralelo, com curadoria conjunta de Nuno Sampaio, Catherine Otondo e Vanessa Grossman, que engloba eventos em Portugal, Brasil e Estados Unidos ao longo de 2023 até fevereiro de 2024.
A inauguração das exposições acontece hoje, 26 de maio, às 20h (hora local) e se estende por todo o final de semana com atividades para o público geral. Veja a programação completa no site da Casa da Arquitectura.